Em julho do ano passado, quando minha irmã estava no auge dos preparativos para seu casamento, lembro-me bem do dia em que saímos batendo perna pela cidade a fora, resolvendo aquela típica agenda de noiva, que basicamente se resume a: vestido, decoração, lembrancinhas, vestido, vestido e vestido 😀
Daí quando justo paramos pra ela fazer a última e tão aguardada prova do vestido, logo que coloquei os pés na loja, notei a presença de uma cliente muito jovem e bonita, (aparentemente acompanhada da mãe e da irmã), que parecia estar em sua primeira pesquisa da rota infinita de modelos, acessórios, preços, etc…
Enquanto minha irmã se trocava, fiquei observando as opções de vestidos que a vendedora pacientemente trazia pra moça, e não pude deixar de notar que nenhuma delas lhe caía bem… sei lá! Sabe quando a pessoa veste uma roupa e você olha e a primeira coisa que te vem à cabeça é: pode tirar que não tá bom, MESMO!
Então, tipo isso…
Só que a singeleza da moça era tanta e tamanha, que tudo o que ela vestia fazia seus olhinhos brilharem ali na frente daquele espelho, como quem já estivesse 100% satisfeita só por estar se casando com um vestido branco de noiva! Dava pra ver isso nela, e isso me comoveu muito…
Me comoveu tanto que, na minha cabeça, eu imediatamente comecei a confabular uma maneira adequada e gentil de dizer a ela que aqueles modelos não estavam à altura de sua beleza e perfil. Na verdade, meu desejo não era exatamente falar com ela (até por que não queria me passar por intrometida e sem noção). Meu real desejo era fazê-la saber que suas possibilidades eram muito maiores do que as que lhe tinham sido apresentadas até aquele momento.
Foi quando eu entendi que não era meu lugar ou direito (mesmo que minhas intenções fossem as melhores do mundo) abrir minha boca se não fosse pra elogiar. E fiquei esperando que ela vestisse um modelo bem lindo, pra que talvez através do meu elogio pontual, ela pudesse entender (de maneira subliminar??) que os modelos anteriores não eram tão bonitos como a vendedora, a mãe e a irmã diziam o tempo todo que eram.
E o que aconteceu foi exatamente isso: num determinado momento, ela experimentou um vestido m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o, (que por falta de conhecimento técnico eu infelizmente não vou saber descrever), com um corte e caimento tão perfeitos que ela mais parecia uma princesa da Walt Disney!
Ela ficou simplesmente sublime no vestido, e naquele momento eu me senti muito confortável pra dizer: “Moça, você está parecendo uma princesa da Walt Disney! Este vestido ficou perfeito em você!! Parabéns!!”
A sensação de vitória e alívio foi grande, sobretudo porque em poucos minutos de dilema ético, eu finalmente consegui encontrar um caminho alternativo pra expressar minha sinceridade através de um elogio, e não de uma crítica.
E eu sei que provavelmente vocês devem achar que hoje, passados quase oito meses, eu me encontre aqui, contando essa história como quem conta bons feitos, cheia de orgulho e realização pessoal por ter triunfado com minha sinceridade. Quando na verdade, eu sei que faria tudo bem diferente se fosse o caso de voltar nesta situação outra vez.
Porque por trás da sinceridade podem existir muitas motivações. No meu caso e em diversos outros, a motivação que sempre leva à postura e ao discurso sincero, é aquela clássica pretensão de achar que sabemos o que é melhor para os outros.
Não que eu considere errado a gente saber ou querer o que é melhor para os outros. Inclusive, pode até ser que em situações pontuais, um ato de sinceridade da nossa parte venha a genuinamente salvar uma alma, confortar um coração aflito e até mesmo dar um choque de realidade em quem padece pelas muitas máscaras e mentiras.
Mas, em contrapartida, quando o mundo inteiro se convence do potencial positivo da sinceridade; o que antes era uma manobra voltada para o bem maior que é a vida e o ser humano, de repente vira uma prerrogativa para que crianças, adolescentes, jovens e idosos saiam por aí proferindo o que gostam de chamar de “opinião” ou “atitude”, mas que no fundo são impressões distorcidas pela realidade em que vivem.
E eu digo prerrogativa, porque por trás dessa “pseudo” postura sincera, existe um ser humano comprometido exclusivamente com seu desejo de abrir a boca e transbordar sua frustração com alguma coisa da vida, sem nenhum compromissozinho com o objeto da sua sinceridade, com a outra vida, com o outro ser humano.
Por isso eu sempre falo que a sinceridade é como uma arma de fogo: se cair nas mãos erradas, dá até morte. Assim como a arma de fogo, a sinceridade é pra quem sabe usar, e pra quem está disposto a responder pelos efeitos que ela pode causar. Não é pra criança, não é brinquedo, e não pode ser usada deliberadamente.
Sobretudo por que, mais uma vez comparando com a arma de fogo, muitas pessoas usam a sinceridade como um meio de confronto e humilhação.
E, honestamente, este tipo de sinceridade que é inclusive o hit do momento nas redes sociais, eu vivo a ignorar e fingir que não existe. Algumas pessoas chegam a me testar, pedindo opiniões, exigindo que eu me posicione e me pronuncie sobre determinados temas…
Mas, gente: opiniões e posicionamentos que não edificam o mundo e as pessoas, são apenas opiniões e posicionamentos. De que vale isso???
Deus sabe a dureza de várias opiniões que eu tenho e que guardo só pra mim, pra que pela misericórdia dEle, eu venha a ter oportunidade de mudá-las enquanto ainda habitam somente o plano das idéias. Porque “a palavra lançada não volta mais”.
Muitas pessoas se agarram à “sinceridade” por medo de parecerem mentirosas ou hipócritas diante de outras pessoas, situações e acontecimentos… Mas eu penso que quando deixamos de falar o que realmente pensamos, não estamos omitindo uma verdade simplesmente por omitir. Estamos fazendo a escolha consciente de talvez amadurecer aquela idéia um pouco mais e, quem sabe, até mudá-la ou formulá-la melhor antes de emití-la.
Na verdade, a história da moça e do vestido de noiva serviu apenas como um pano de fundo pra examinarmos melhor nossas motivações…
Sei que o mundo já está cheio de hipócritas e mentirosos, mas não acho que este mau uso da sinceridade vá salvar as pessoas e restaurar as relações. Não sou dona da verdade, mas quis compartilhar este olhar diferente…